Atos de genialidade arrebatam-me o espírito: deslumbra-me a força do gênio.
Marcos Boldrin*
E essa se manifesta de forma cristalina principalmente em momentos turbulentos, por personagens que se tornam figuras poderosas no inconsciente de um grupo, de um povo: um jovem que, após sangrenta revolução, transmuta-se no imperador do mundo, em Napoleão Bonaparte; uma dona de casa que corajosamente assume a liderança e as dores de uma nação, alçando-se à primeira primeiro-ministro britânico, Margareth Thatcher; ou, ainda e no universo da ficção, jovens comuns tais a Steve Rogers, Diana de Themyscira e Peter Parker, que se transfiguram pela força de suas genialidades respectivamente em Capitão América, Mulher Maravilha e Homem-Aranha.
Tornam-se mitos.
Por mais que se tentem diminuí-los ou os desmistificar, são figuras que ocupam o nosso imaginário e que vão além do que simbolizam, do que resumem: nos ensinam a viver, a agir, bússolas que nos orientam em nossa aventura fantástica chamada vida.
Imagine-se em maio de 1822. Rio de Janeiro de um Brasil colonial, quatro meses antes da sua independência.
Cheiro pesado de esgoto a céu aberto, calor litorâneo de escorrer melaços de suor por debaixo de paletós e cartolas ou longos vestidos e espartilhos.
No ar, murmurinhos que alimentam uma vibração que engorda, acumula a vontade generalizada de uma Constituinte com cunho democrático numa terra ainda submetida aos mandos e desmandos de europeus menores, sem generosidade e com foco na ganância por títulos e riquezas.
Em momentos conturbados, a força da genialidade explode.
José Bonifácio de Andrada e Silva, naturalista, mineralogista, bacharel em direito, matemático, pensador, estadista e poeta, é o então primeiro-ministro de Dom Pedro I e, tomado pelo mesmo sentimento de que as coisas naquela “terra brasilis” deveriam mudar, prega à plena voz a necessidade de uma grande Aliança ou Federação Americana, de um comércio livre, da abolição do escravagismo e do tráfico de pessoas. Além de um Poder Judiciário imparcial.
Mais: que o governo deve agir conforme sua própria natureza, independente e plenamente, nos limites da lei.
Porém, distintamente das outras lideranças (populares ou aristocráticas, com suas mentes medíocres, medianas, e visões limitadas), prefere garantir a unidade nacional, firmar a solidariedade das províncias e, só depois, cuidar das demais propostas, inclusive a da Constituinte.
O entusiasmo disseminado quanto a essa lhe gera temor: teme as desordens, os excessos das facções radicalistas e dos grupos partidários de cunho personalista.
Congelam-lhe os ossos a ameaça da tirania, dos demagogos e agitadores, sempre incapazes de quaisquer ações construtivas: almas que se alimentam da desordem, do desrespeito às liberdades e da desorganização.
– “Hei de dar um pontapé nestes revolucionários e atirar com eles no Inferno”, afirma neste momento que precede o famoso 07 de setembro nacional.
Pensar e agir, portanto, de um estadista: preservar seu povo. Força manifesta de um gênio. E desse espírito, somos os herdeiros.
Mais: ao nascermos, ganhamos, sem qualquer esforço, a posse pacífica de uma das mais belas partes do planeta quanto à extensão do território, à fertilidade do solo, tesouros do subsolo e à qualidade do clima.
Vivemos, hoje mais do que qualquer tempo passado, sob o manto de instituições políticas voltadas para os fins das liberdades civil e religiosa, individuais e coletivas - garantias e fundamentos pelos quais não trabalhamos para os adquirir nem para os estabelecer: um legado que nos foi transmitido gratuitamente por ancestrais com firmeza de caráter, bravos e patrióticos.
Temos uma tarefa: apenas a de transmitir esse legado.
Há riscos? Sempre há. Externos? Também.
Tenho comigo que, se algum dia eles chegarem, não virão mais do além-mar: é provável que rebente entre nós mesmos. Se nossa sina for a da destruição, seremos nós mesmos os autores e perpetradores.
Por outro lado e enquanto homens e mulheres livres, temos a opção pela responsabilidade de escolhermos viver para sempre ou tombar pelo suicídio.
Como proteger-nos e proteger o nosso legado?
Simples: que todos nós, amantes da liberdade, comprometamo-nos em nunca violar as leis do país e nunca tolerar que sejam violadas por outros.
Disposição universal, geral, em erradicarmos eventuais subversões de nossas liberdades, mesmo porque sempre houve, há e haverá perigos que obstaculizam nossa evolução: obstáculos são feitos para serem superados.
O grito às margens do Ipiranga completa seus 199 anos e, passadas as comemorações, exige também reflexão e prática: a de que a paixão nos estimulou no passado a tomarmos decisões difíceis, a exemplo da ruptura ante o arsenal bélico português por uma colônia agrária e ainda escravagista; porém, já não pode mais nos ajudar.
Paixões começam a se tornar nossas inimigas, ainda mais nos tempos atuais e em suas formas perniciosamente extremistas.
É a razão, pura nas suas possibilidades e desapaixonada por sua essência, que deve fornecer todos os materiais para nossos futuros esteios e defesas; razão como pilar talhado na sólida pedra que garanta nosso templo chamado liberdade – a mais preciosa joia da democracia.
Uma verdadeira painita, a mais rara pedra preciosa do mundo, a um país que se quer república democrática brasileira.
Salve o nosso 07 de setembro!
Salve nossos 199 de independência!
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*Marcos Boldrin é Secretário da Administração e Coronel da Reserva
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